Era o Sr. Joaquim um homem conservador que cultivava sempre os mesmos amigos e que achava as mesmas coisas acerca das mesmas coisas.
Entendam: quando gostava de um político, endeusava-o e não o trocava por outro, nunca.
– Nada, ninguém como o Brigadeiro Eduardo Gomes, nem tão honesto como Milton Campos.
– Que homem inteligente!
Assim ele se referia ao Dr. Rui Barbosa, embora só conhecesse do célebre baiano alguns discursos decorados e as coisas que se dizem normalmente do grande homem público.
– Bebida? Só uísque escocês, que não dá ressaca.
– Mulher boa… só a sua.
– Filhos? Os seus, inteligentes e perfeitos.
– Seus carros? Apesar de mal conservados e sem bateria, eram batizados com nomes complicados e tão supervalorizados que ninguém comprava.
Se fôssemos examinar a vida do Sr. Joaquim com atenção, ficaríamos com inveja.
Sabem, o homem era feliz mesmo!
Naquele verão de mil novecentos e não sei quanto, um filho lhe trouxera dos Estados Unidos um par de calças e uma camisa. A primeira reação foi negativa, como sempre.
Depois de dois anos ou mais, resolveu experimentá-los, pois as suas preferidas estavam muito surradas.
É lógico que o guarda-roupa estava cheio, mas ele só gostava de algumas peças, aquelas antigas que já lhe conheciam o corpo, as curvas… Era só vesti-las e o pano se acomodava ao seu corpo em poucos minutos.
Foi experimentar e gostar. E cada vez que usava gostava mais. Revezava as duas calças, mas a peça preferida era mesmo a camisa. Gostou tanto dela que sua mulher Rosa teve que fazer três réplicas para economizar e preservar a verdadeira.
Quando a campainha tocou naquela manhã, Dona Rosa foi atender, deixando pela metade as ordens para a empregada novata.
A visita era íntima e o papo rendeu tanto que quando a amiga se foi, a roupa já balançava no varal.
Foi então que Rosa se lembrou de que não havia recomendado cuidado com as calças, nem com a camisa legítima do Joaquim. Tinha certeza do desastre e não deu outra. A menina colocara as preciosidades dentro da máquina de lavar.
Resultado: uma calça rasgou no vinco e o colarinho da camisa estava em tiras.
Dona Rosa se culpou, mas não tinha coragem de explicar o “desastre” ao marido conservador. Levou a camisa para uma costureira acostumada a fazer “milagres”, que virou o colarinho e cortou uma tirinha na fralda, ficando como nova.
Mas, e a calça rasgada de fora a fora? Não havia milagre possível. Sr. Joaquim esbaforido:
– Rosa, acabou de rasgar a calça quando subi no cavalo. Traga a outra.
– Está molhada, Joaquim, pode me dar esta que darei um jeito, pois não rasgou muito.
A situação ficava cada vez mais difícil; precisava criar coragem ou então comprar algumas novidades, mesmo sabendo que ele não gostava de nada novo.
Foi no domingo que resolveram visitar a Feira da Sucata. Sr. Joaquim, para variar, gostava de colecionar velharias. Nestas feiras sempre aparecia algum objeto antigo que o dono não dava mais valor. Enquanto ele examinava candelabros antigos, Dona Rosa olhava os colares e algumas peças de roupa novas.
De repente, ela custou a acreditar no que via: uma calça igual à do marido, da mesma cor, da mesma marca americana e…pasmem, do mesmo tamanho!
Não teve dúvidas, chamou a encarregada da loja e recomendou que fizesse um embrulho rápido antes que o Sr. Joaquim pudesse ver.
Voltou radiante, valeu a pena.
Fez o milagre. Subiu a barra, abriu a costura no lugar da cintura, como fizera com as outras, deu pontos daqui e dali e… lavada e passada, lá estava a calça substituindo a verdadeira.
Rosa, as calcas?
O Sr. Joaquim escolheu a mais nova. Vestiu-a e concluiu:
– Ninguém tem mulher melhor do que a minha. E mais, quando quer remendar, faz do velho algo maravilhoso. Segue bem as instruções de minha avó: “Remende seu pano que dura mais um ano.”
– Obrigado minha velha, desta vez você caprichou mesmo. Não sei o que faria sem você.
E saiu todo contente, sem saber que naquele exato momento estreava uma calça nova.
Publicado em O Correio em 15 de outubro de 1990.