Mineiro pobre vai para Brasília, para São Paulo, Acre, Goiás, para onde o emprego lhe acenar com promessas de enriquecimento.
Mineiro rico vai (ou ia) para o Rio de Janeiro aproveitar o mar. Mas todos voltam para Minas no tempo das jabuticabas.
O pé de jabuticaba nascera perto do muro, mas do lado do vizinho. Quando floria, enchia de perfume toda a vizinhança. Quando carregava de frutinhas como carapinhas, bem grudadinhas no tronco e galhos, dava um desassossego no casal de crianças que morava do lado oposto do muro.
Não era fácil ver pretejar as deliciosas “sabarás” sem poder apanhá-las de acordo com suas vontades.
Bem, alguns galhos caíam para o lado de lá e os meninos apanhavam as frutas sem cerimônia, mas eram poucas e serviam apenas para aguçar a vontade. Os meninos certamente deveriam pensar que neste mundo ninguém deveria ser dono do pé de jabuticaba, mas o que se há de fazer?
A dona Celeste adivinhava a vontade das crianças e sempre mandava aos vizinhos duas ou três cestas de frutas que eram recebidas com a maior alegria.
Naquele ano, a chuva caíra na época certa, de modo que lá para o fim de outubro as frutinhas estavam pretas e deliciosas.
O primeiro presente, uma cesta bem cheia, veio logo, mas não era tão grande quanto o desejo dos meninos.
A mãe ia retirando as porções: um pouco para o tio Fernando, outro para a tia Mariana, outro para o pai, outro para a empregada e a cesta ia se esvaziando. As crianças iam ficando nervosas, imaginando o que sobraria para elas.
Bem – dizia a mãe – todo o resto é para vocês.
E agora, como repartir honestamente?
A mãe ponderou: primeiro vamos lavar tudo e catar as furadinhas de marimbondos, os de moscas, de passarinhos, as muito velhas, os gravetos … e a cesta se esvaziava cada vez mais.
– Vocês não querem esperar para chupar depois do almoço como sobremesa?
– De maneira alguma, pode aparecer algum parente… é agora mesmo.
Todo ano, após a partilha, sempre um deles se sentia prejudicado.
Para evitar reclamações, a mãe encontrou um novo e criativo processo: cada um escolheria a jabuticaba do outro. Sendo assim, escolhiam primeiro as piores e deixavam as grandes para o fim.
Este método foi um sucesso. Não havia reclamações e não sobrava “piruá” de jabuticaba, isto é, aquelas frutinhas que não serviam muito para chupar, mas que eram ótimas para espremer e fazer geleias deliciosas misturadas com mel.
Assim que o cerimonial ficou pronto para o início da “chupação”, os dois se sentaram no banco do quintal e começaram pelas piores:
– Esta para você…
– E esta para você, irmãzinha…
Quando já tinham catado todas as pequenas, as “baitonas” restavam no fundo do balaio e aí, sim, ia começar a melhor parte.
Foi exatamente neste momento que o Toniquinho achou de visitá-los.
As crianças ficaram atônitas e infelizes porque a verdade é que não desejavam de maneira nenhuma dividir a “delícia” com nenhum amigo.
A mãe percebeu tudo, mas não poderia ser indelicada com o coleguinha tão distinto (capeta, mas de família importante).
– Crianças, o Toniquinho está aqui.
– Vá você, mandou a menina.
– Não, vá você, implorou o menino.
Diante da indecisão, a mãe mandou o Toniquinho entrar e participar com os filhos da festa da jabuticaba.
E havia outra saída?
Os meninos ofereceram, mas não pararam de chupar. Toniquinho pegou um punhado na cesta, mas foi logo dizendo:
– Deixem estas jabuticabas aí. Vamos lá para casa. Vim buscá-los para repartirem comigo todo um pé que meu pai comprou na fazenda da Manoela. Vocês vão ver o que é chupar jabuticaba grande de gostosa!
–Vamos?
– É claro, mas que pena ter chupado tanto jabuticaba pequena…
As duas crianças saíram correndo com a aprovação da mãe, mas voltaram logo para pegar a cesta, agora vazia, pois as antigas “baitonas” já estavam na panela.
E partiram fagueiras para a fazenda da Manoela com aquele ar de felicidade que só os pequeninos têm diante da perspectiva de um bom passeio.
A mãe tinha uma certeza: elas voltariam com a cesta cheinha e as barriguinhas repletas de desejos realizados.