O país estava sofrendo profundas modificações em sua sociedade, na economia, mormente na religião.
A estrutura agrária trazia para a cidade os povoadores das fazendas, e muitos tentavam comprar as terras abandonadas com os recursos ganhos nos empregos da indústria.
Assim aconteceu com José Tibúrcio que, depois de perder o sítio na época da queda do café, do plano cruzado e de outras infelicidades, agora voltava a comprar as mesmas terras ajudado pelo ordenado das filhas, dos filhos, da mulher e dele mesmo.
Retireiro desde pequeno, conseguira logo se empregar, enquanto todos os membros da família trabalhavam nas fábricas.
Entrou dinheiro… economizou… pensou em reaver as terrinhas onde se criara.
Não deu outra… voltou ao que era, mas não tirou os filhos do emprego. Só que agora ele era retireiro de suas próprias vaquinhas.
Mudança era bom mesmo; assim, resolveu mudar de religião também e tornou-se protestante; e levou a família toda. No domingo, deixava o sítio e levava todo mundo para assistir à prática do presbítero, ficando encantado com a sabedoria da Bíblia, que ele ouvia pela primeira vez.
O pastor chegou àquela cidadezinha cheio de ardor, com um sermão adredemente preparado, estudado, o qual, tinha segurança, faria o maior sucesso.
Estranhou a Igreja vazia, os bancos vazios. Será que a comunidade ignorava sua vinda?
Enviara telegrama e até telefonara… Tinha certeza de que era esperado.
Entretanto, os bancos continuavam vazios. Folheava a Bíblia enquanto aguardava os acontecimentos. De repente, um barulho de esporas e ele se volta, deparando-se com um vaqueiro.
Era o Zé Tibúrcio que viera sozinho porque a família tinha feito uma viagenzinha à casa dos avós paternos pelos lados de Careaçu; festança da Padroeira.
Sentou-se no banco da Igreja e ficou esperando.
– O senhor sabe me informar se não vem ninguém?
– Não vem não senhor! Respondeu Zé.
– Eles não foram avisados?
– Foram.
Meia hora de espera. O pastor lia a Bíblia. Zé pensava.
– Por que será que eles não vêm? Insiste.
– Num sei informar não senhor.
Mais quinze minutos de espera.
– O que o senhor faria no meu caso? Dirigiu-se a Zé.
– Num entendo de religião não, só entendo de vaca. Se eu tivesse que dar de comer a muitas vacas e só aparecesse uma, dava de comer pra ela.
O pastor entendeu a mensagem. Subiu ao púlpito e, durante duas horas, pregou os evangelhos. Aproveitou-se para explicar os intrincados livros da sabedoria milenar.
O caboclo Zé não despregava os olhos do pastor que, finalmente, satisfeito consigo mesmo, deu por terminada sua missão naquela cidade.
Desceu as escadas do púlpito e se achegou ao vaqueiro.
– Que tal, o senhor gostou da pregação?
– Não entendo de religião não, entendo só de vaca.
– Mas o senhor não disse que daria comida a uma apenas que
procurasse o curral?
– É verdade, mas daria ração só pra uma. Se desse pra ela a
ração das outras todas, ela podia morrer de indigestão!
Publicado em O Correio em 30 de setembro de 1989.