O João pensava enrolado, nunca por linha reta, de modo que os mínimos problemas eram amaciados de maneira muito complicada; daí o seu apelido.
Todas as vezes que desejava alguma coisa, rodeava tanto, que ele próprio ficava preso na sua teia.
Criado com muito luxo pela mãe solteirona, casada com um velho, o rebento cresceu cheio de “grilos”; considerava-se fraquinho, porque a mãe lhe afirmava que era assim: pernas sem força, pneumonia dupla na infância, ligamentos páreos e outras enfermidades fizeram dele um homem desagradável, que exigia tudo de todos e, não conseguindo sair do caramujo, nada oferecia àqueles com quem convivia.
Mas não parava aí, não. O João nascera empelicado, mas tudo de errado que ele fazia, no final dava.
A crise do café foi terrível naquela região do sul de Minas.
Como sempre, o governo tinha colocado sua mão espúria na política da rubiácea e, em consequência, houve a queda dos preços e uma
quebradeira sem fim.
– Sr. João, o senhor devia aproveitar melhor sua terra. Por que não planta café nestes morros roxos de fazer inveja? Como ainda pode pensar em tirar leite com o alqueire a quinhentos?
– É, meu amigo, gosto das minhas vaquinhas. Elas todas têm nome de mulher e são lindas; e quanto mais puras, mais bonitas pra mim.
– O leite está tão baixo que não cobre o custeio das suas vaquinhas.
– Pode ser, mas gosto é gosto e estou velho para mudar. Vou plantar mais um pouco de café, mas ficar sem as vaquinhas, isto nunca.
– O senhor não faz caso do lucro?
– Nem tanto, porque tudo que ganho empato na fazenda mesmo; não dá; nunca vejo a cor do dinheiro.
– Sr. João, o senhor já fez as contas das despesas?
– Pra que cansar a cabeça, compadre? Se for fazer as contas, me embaralho todo e fico meio aloucado. Toco tudo com a barriga mesmo. Mas de minhas vaquinhas não abro mão. Com lucro ou prejuízo vou ficando com elas mesmo.
Compadre tinha desanimado; não conseguia convencer o João do erro de estar sustentando as vacas com o preço exorbitante das rações, do milho e dos pastos, tão próprias para se plantar o café.
A euforia dos preços altos tinha dado a febre de cafeiculturamania. Todo mundo só falava em lavouras novas, e a mão de obra foi encarecendo e escasseando pela concorrência, às vezes até desonesta.
Os viveiros de mudas começaram a surgir por todo lado, e até o Sr. João resolveu aderir, em parte, ao entusiasmo local pela frutinha que tinha enriquecido muito brasileiro em séculos passados.
Falava-se em variedades novas, em acaiá; e a mania se alastrou; quanto mais se produzisse, melhor.
Cz$ 4.000,00.
Isso era o preço de uma saca. Valia a pena investir e, no final, receber aquela montanha de dinheiro.
As terras ficaram pela hora da morte. Um pedacinho qualquer virava lavoura do dia para a noite, e o assunto era só este.
– Compadre, já plantou mais um “talhãozinho”? Pôs calcário e fertilizante?
Refinava-se em adubação folear.
– Compadre, deixe as vaquinhas; você está perdendo muito tempo com elas.
Faz mal não, compadre, não sou objetivo. Gosto de pensar complicado mesmo. Não sei sair desse caminho. Pra mim, é café com leite. Cada hora é um que dá prejuízo.
O ruim é quando os dois dão. Aí eu vendo o que comprei com os lucrinhos e continuo até um deles melhorar.
Feito na ponta do lápis, o plano cruzado trouxe a desgraça do pecuarista de leite e a felicidade do cafeicultor. Grandes perdas para os primeiros, e grandes lucros para os segundos.
Quando o compadre João chegou à conclusão de que o compadre tinha razão e que era burrice mexer com leite, era tarde demais; a cafeicultura afundou de vez levando os fazendeiros à falência e…, pasmem, o leite subiu a preço quase justo, trazendo alento e reforço ao João Caramujo.
Ele fora tão lento em fazer conta e a se dar conta de seus prejuízos com o gado que se salvara da quebradeira milagrosamente.
Agora, com mais dinheiro no fim do mês, o João resolveu dar mais atenção ao cafezal. Comprou adubo e plantou uma lavourinha nova. Mas não queria saber de confusão.
Era lento, pensava lento e agia mais lentamente, mas costumava ficar de pé.