Segundo os cronistas da época, o esguicho surgiu sob a inspiração do desmonte do Morro do Castelo, no Rio de Janeiro. Em 1922, o Rio se enfeitou todo para receber visitantes e turistas de toda e parte. Para que? O motivo foi a comemoração do centenário da Independência do Brasil.
Programou-se desmontar o Morro do Castelo para aterrar a Baía da Guanabara numa extensão paralela à rua Santa Luzia, formando a Esplanada do Castelo, onde se instalaria uma grande Feira Internacional de Amostras, feira de extensão nunca vista para exibir ao mundo a produção brasileira e, ao Brasil, a produção industrial do mundo todo.
O método do desmonte era o de jatos d’água enviados ao morro, com enorme força, formando o barro que chamavam de Magma que depois era jogado ao mar. Era um trabalho lento, de sedimentação mas que era coroado de êxito, depois de anos de aterro.
Advindas de todo o interior, comitivas e amostras das indústrias de pequenos e grandes industriais. Entre as comitivas animadas, a de Santa Rita e entre os produtos industriais o vinho fabricado pelo senhor Manoel Dias Saraiva, português, amante de nossa terra e que plantara aqui um vinhedo construindo uma fábrica de vinhos onde é hoje o prédio da Estamparia.
A comitiva liderada pelo prefeito municipal, senhor Francisco Moreira da Costa, encantou-se com a beleza da Cidade Maravilhosa e com a técnica do desmonte do morro citado e o esforçado português teve como prêmio de suas amostras de vinho, enviados à feira sem interesse monetário, um diploma de honra ao mérito e uma medalha de ouro.
Ao regressar, o senhor Francisco Moreira da Costa convocou uma reunião para importar uma bomba hidráulica para o desmonte do morro da Rua Nova e aterrar as ruas alagadiças e os brejos que margeavam o centro de nossa cidade e que impediam o seu desenvolvimento.
A prefeitura não podia bancar um empreendimento de tamanho porte. Felizmente, tínhamos um homem de fibra e de visão à frente dos trabalhos e decidiram:
- Organizar uma empresa de melhoramentos municipais, uma das maiores realizações levadas a cabo, sob a direção do senhor José Mendes Vilela (Juca Mendes) e do senhor Frederico de Paula Cunha, superintendente e gerente comercial, respectivamente, capital de 400 contos de réis (isto em 1924). Visava a Companhia:
a) Importar de Hamburgo, Alemanha, uma Bomba Hidráulica, marca Siemens, de 200 HP de força e 17 atmosferas, para sugar a água do rio Sapucaí, projetando-a do Rua Nova para aterrar as várzeas;
b) Os habitantes colaborariam comprando bônus da Empresa e que seriam mais tarde trocados por lotes aterrados. Por sua vez, os proprietários dos terrenos alagados dariam as terras recebendo a metade delas aterradas.
Muitos ainda se lembram dos bônus que seus pais trocaram por lotes ou então doaram suas cotas na época da construção do nosso Hospital;
c) Foi feito um acordo segundo o qual o senhor José de Andrade Moreira, presidente da Companhia Força e Luz Minas Sul, se comprometia a fornecer 10 horas de força diárias, mediante a bonificação anual de R$ 3.000$000 quando a tabela normal era de R$ 7.000$000 mensais ou R$84.000$000 anuais.
d) A Companhia começou a trabalhar imediatamente instalando canos que atravessaram as ruas 13 de Maio, Cel. Francisco Palma, Quintino Bocaiuva, até atingir o local do desmonte.
Enquanto não chegasse o equipamento a empresa visava também a construção de belas residências e outras obras municipais. O Dr. João Kraned era o superintendente das obras.
O maquinário aportou em Santos pelo cargueiro “Monte Sarmiento”, a 24 de Janeiro, e foi desembaraçado nas aduanas. Enquanto isso, a Cia. Celebrou o contrato com o Dr. Antenor Pinto de Almeida que cedeu o terreno do morro e a 07 de março de 1926, as máquinas aqui chegaram e, diga-se de passagem, foram compradas em ótimas condições e era o máximo do ramo hidráulico. O abrigo destinado à bomba captadora de água do Rio Sapucaí foi feito na avenida Antônio Paulino. Já estavam também instaladas as calhas (bicames) que transportariam a lama (magma) para os locais do aterro. O “Correio do Sul” do dia 7 de janeiro de 1926 anunciou que os trabalhos estavam adiantados. A 25 de julho de 1926, uma segunda-feira, gente engalanada, festança à Santa Rita, a sociedade deu início ao aterramento da várzea compreendida entre as ruas Cel. Joaquim Carneiro Paiva e Benjamin Constant. O desterramento iniciou-se atrád a antiga Santa Casa de Misericórdia, hoje Escola de Comércio.
A máquina trabalhou 4 horas e foram desagregados 60 metros cúbicos de terra. Imaginem o sucesso do empreendimento!…
O local do desmonte guardado e administrado pelo Sr. Bernardino Lemos ficou conhecido pelo nome de “Esguicho” e era até um passeio obrigatório para quem chegasse a Santa Rita do Sapucaí, ou mesmo um ponto de recreio, de namoros e até de macumba…
Resumindo: a água era captada e canalizada do Rio Sapucaí através da bomba que a jogava no morro a ser desmontado e o barro era canalizado e descia por gravidade nas bicas ou bicames que a jogavam nos lugares a serem aterrados, na várzea. Então, onde era charco, virou terra firme e alí construídas belas casas e as ruas foram bem traçadas, melhorando o aspecto da cidade.
Bem verdade que o morro ficou corroído, mas terá sempre a glória de ter contribuído para o saneamento de nossa urbe. Há, entretanto, alguns pontos que gostaria de esclarecer:
1) Onde foi parar o possante bomba de 200HP e 17 atmosferas? Sei que foi vendida! Para quem?
2) E as grandes bicas (bicames) que foram antigamente empilhadas ao lado do antigo mercado municipal?
3) Já ouvi quase 15 “histórias” acontecidas no Esguicho. Conte-nos mais uma. Quando a empresa se desfez?
O santarritense mais antigo bem que poderia nos ajudar a reconstituir o passado, pois todos sabem que o povo que não tem passado não poderá ter futuro e o Esguicho faz parte da nossa história e do nosso passado, não apenas no aspecto social, como também no urbanismo de nossa cidade.
Publicado no jornal “O Correio de Santa Rita do Sapucaí” em 31 de julho de 1989.